Gasto de R$ 23,6 milhões supera cidades maiores, não deixa legado e levanta dúvidas sobre prioridades e transparência nos recursos públicos.
Enquanto dezenas de municípios brasileiros revisam contratos, cortam despesas e buscam equilíbrio fiscal em 2025, Macaé escolheu seguir na contramão. A cidade destinou mais de R$ 23,6 milhões para a realização do Natal deste ano — um valor que supera investimentos feitos por cidades maiores, com mais habitantes e economias mais diversificadas.
O montante foi empregado quase integralmente na locação temporária de estruturas, luzes, atrações cenográficas, pistas de gelo, shows e equipamentos de grande porte, sem qualquer legado estrutural, cultural ou turístico permanente para o município.
O número, por si só, já chama atenção. Mas a análise comparativa torna o cenário ainda mais delicado.
Gasto por habitante supera cidades maiores
Niterói, com mais de 500 mil habitantes, investiu cerca de R$ 17,5 milhões, o que representa R$ 33,86 por morador. Já Itaguaí, com aproximadamente 124 mil habitantes, teve prevista uma despesa de R$ 3,9 milhões, equivalente a R$ 31,46 por pessoa — valor que levou o Ministério Público a recomendar a suspensão da licitação.
Macaé, com 264.439 moradores, ultrapassou todos esses parâmetros ao atingir R$ 89,24 por habitante, um dos maiores custos per capita já registrados no país para festividades natalinas.
A pergunta que se impõe não é se o Natal deve ou não ser celebrado, mas quanto custa celebrar — e a quem esse custo realmente beneficia.
Natal de aluguel: muito dinheiro, nenhum legado
A estrutura montada em Macaé será integralmente desmontada ao fim das festas. Nenhum equipamento ficará para o município. Nenhuma obra permanente será incorporada ao patrimônio público. Nenhuma infraestrutura cultural ou turística duradoura será criada.
Entre os itens contratados estão:
- Árvore flutuante de até 39 metros
- Pista de gelo
- Carrossel
- Trem cenográfico
- Casas temáticas
- Esculturas natalinas de grande escala
- Mais de 5.000 árvores naturais decoradas
- Estruturas flutuantes com efeitos especiais
Tudo em regime de locação, o que significa que o investimento não se converte em ativo público.
Licitações fragmentadas dificultam transparência
Os gastos estão distribuídos em pelo menos dois grandes pregões eletrônicos:
- Pregão nº 091/2025 – “Águas Dançantes”
Valor: R$ 11.364.784
Inclui jatos d’água, painéis de LED, lasers, pirotecnia, balsas, embarcações, máquinas de fogo e estruturas flutuantes. - Pregão nº 093/2025 – Decoração de Natal
Valor: R$ 11.182.822
Abrange a cenografia natalina, atrações infantis, pista de gelo e ornamentações em grande escala.
Além disso, há valores pulverizados em outras secretarias, como serviços de buffet, apoio logístico e insumos, o que dificulta a leitura clara do custo total e levanta dúvidas sobre a real economicidade da operação.
Especialistas em administração pública apontam que a fragmentação de contratos é uma prática que, embora legal em alguns casos, reduz a transparência, dificulta o controle social e pode inflar custos.
Shows e atrações elevam ainda mais a conta
Somam-se aos contratos principais mais de R$ 1 milhão em apresentações artísticas, incluindo:
- R$ 300 mil – Show natalino inspirado na Disney
- R$ 180 mil – “Mundo Bita – Especial de Natal”
- R$ 90 mil – Kynnie Williams
- R$ 66 mil – Show da Luna
- R$ 57.400 – Auto de Natal
- R$ 52.410 – Camarim
- Dezenas de outras contratações, algumas por dispensa de licitação
Esses valores não estavam incluídos nos dois grandes pregões, elevando significativamente o custo final do evento.
Câmara também entra na conta
A Câmara Municipal de Macaé realizou contratação própria, no valor de R$ 238.900, também exclusivamente para locação de iluminação e ornamentação do prédio do Legislativo e do Centro Cultural da Câmara.
Embora o valor seja pequeno diante do total, ele reforça um padrão: nenhuma aquisição permanente, apenas gastos temporários.
Discurso oficial não convence
O argumento mais recorrente da administração municipal é o de “fomento ao turismo” e “movimentação da economia local”. No entanto, os dados disponíveis indicam que a maior parte dos recursos é direcionada a empresas especializadas em grandes eventos, muitas delas já habituais fornecedoras desse tipo de estrutura, com pouco impacto direto, mensurável e duradouro para a economia local.
Há ainda registros de que uma das empresas responsáveis por parte significativa da cenografia e pela pista de gelo mantém dois galpões no próprio município, o que levanta questionamentos sobre preços praticados e critérios de mercado, especialmente diante do alto valor unitário de itens de baixa complexidade técnica.
Prioridades invertidas
Macaé enfrenta desafios reais e urgentes:
- Rede de saúde pressionada
- Infraestrutura urbana carente de melhorias
- Bairros que demandam investimentos permanentes
- Serviços públicos que exigem reforço e modernização
Diante desse cenário, optar por investir R$ 23,6 milhões em estruturas descartáveis não é apenas uma decisão administrativa — é uma escolha política.
E escolhas políticas revelam prioridades.
Neste caso, a prioridade parece não ser o futuro da cidade, mas o espetáculo momentâneo. Um Natal caro, efêmero e de aluguel, pago por uma população que continuará lidando, em janeiro, com os mesmos problemas estruturais de sempre.
Celebrar é legítimo. Gastar sem critério, não.

